Maioria dos abusadores sexuais online são jovens adultos caucasianos

1 fev 2022, 07:02
Trabalho

Durante o confinamento houve um aumento dos crimes sexuais online, mas o fenómeno não é novo. Quem são estes predadores que perdem horas a estudar as crianças para as aliciar para práticas criminosas? E quem são as vítimas? Não há um perfil definido de agressores sexuais, mas os dados que existem são reveladores

Escondem-se atrás de um ecrã e entram nas nossas casas sem que se dê por eles. Por força das circunstâncias, durante o confinamento, os crimes sexuais online aumentaram, mas a subida já vinha de anos anteriores. Apesar de não haver um perfil definido para estes agressores, os dados que existem são reveladores de algumas características importantes como, por exemplo, o facto da maioria destes agressores serem caucasianos, tal como as vítimas.

A psicóloga Alexandra Anciães, que foi perita Forense na Delegação do Sul do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, entre 2000 e 2019, acedeu falar com a CNN Portugal para nos desvendar um pouco sobre as personalidades destes criminosos, até porque, a nível profissional trabalha com abusadores.

Uma coisa que sabemos é que são, na maioria, jovens adultos e sobretudo caucasianos”, explica Alexandra Anciães. “A maior parte deles, e estes são dados de um estudo da Interpol refere uma grande percentagem de caucasianos, cerca de 80%, depois 12% de hispânicos/latinos, 4% negroides e cerca de 3% asiáticos”.

 

Apesar de só ser possível determinar o género do agressor em menos de metade dos abusos sexuais, 92,7% são do sexo masculino. Tendo sido detetados 5,5% de casos com participação de agressores do sexo feminino em conjunto com masculinos. É quase sempre o homem a filmar os atos. Quanto a casos de abuso cometidos em exclusivo por alguém do sexo feminino, sozinho, o valor ficou abaixo dos 2%.

Vítimas mais jovens, sofrem abusos mais graves

Já em relação às vitimas, segundo Alexandra Anciães, “a maioria das vitimas tem a mesma origem populacional ou etnia do agressor”. Ou seja, a maioria, mais de 76% é caucasiana.

 

Relativamente às idades das vítimas detetadas os números do estudo da Interpol também são reveladores. A maioria das vítimas dos agressores sexuais encontram-se na pré-pubescência, 56,2%. Depois temos os pubescentes, com 25,4%. Há casos em que as vítimas identificadas nos atos são de idades diversas (14,1%). E, por fim, os bebés (até aos 3 anos) com um valor de 4,3%.

O já referido estudo encontrou um dado de relevo em relação à idade das vítimas: quanto mais novas fossem as vítimas, maior era a gravidade do abuso praticado.

Os abusadores online “geralmente têm maior autocontrolo e menor impulsividade”

E do lado físico, passamos às características psicológicas e há diferenças entre os abusadores online e os offline. Devido ao seu trabalho com abusadores, esta é uma área na qual Alexandra Anciães tem grande experiência.

“Os online geralmente têm maior autocontrolo e menor impulsividade, mas têm maiores níveis de desvio sexual. São indivíduos com uma maior perturbação e desvio sexual. Apesar disto, têm menos distorções cognitivas e mais empatia que os offline. Nós temos muitos agressores que são meramente agressores online, ou seja, que não passam para um cenário offline”, explica.

Já em relação aos abusadores offline, os presenciais – que também recorrem à Internet para procurar vítimas – há algumas características transversais: “Têm com frequência distorções cognitivas, ou seja, a forma de olharem para a situação do abuso. Utilizam racionalizações para justificar o abuso, até para eles próprios. É porque ‘a criança quer, a criança não sofre dano, eu não estou a fazer nada de mal’”.

Além disso, uma grande parte “tem défices em termos de empatia, o que facilita e legitima estes actos agressivos. Muitos têm inadequação social, ou falta de aptidões sociais para aceder, por exemplo, a uma parceira, um par, um adulto. São inadequados nas relações interpessoais, com padrões de comunicação ineficazes”.

Mas não só. Há também “muitas vezes, um desenvolvimento psicossexual inadequado ou imaturo. O que significa que as suas próprias experiencias sexuais foram muitas vezes inadequadas e num contexto de pouca afetividade. Também eles, alguns, foram vitimas de abusos no seu próprio processo de desenvolvimento”.

Por fim, há outro aspeto que carateriza uma grande parte dos abusadores, que é “o desejo de poder e de controlo”. 

“Grande parte dos agressores sexuais não são pedófilos, não têm uma perturbação sexual. Alguns deles é por uma deslocação de uma raiva, de uma agressividade, que é deslocada para a criança. Haverá situações de frustração, de stress que os leva a utilizar o abuso como uma estratégia de lidar com as suas próprias dificuldades”, explica a psicóloga.

Curiosamente, segundo Alexandra Anciães, só uma baixa percentagem destes agressores tem uma perturbação sexual. Pode ser a pedofilia, “mas há varias”.

Abusadores procuram vítimas com “baixa autoestima”

Por norma, um agressor sexual fala, em simultâneo com várias potenciais vítimas e estuda-as para encontrar “as “mais suscetíveis, as mais vulneráveis e são estas que eles vão tentar de alguma forma aliciar”.

Os abusadores estudam as vítimas, tentam conhecer as crianças para conseguirem ganhar a sua confiança e, de alguma forma, serem vistos como amigos. Procuram o que “a criança publica nas redes sociais, quais são os comentários dos outros, qual o username que a criança utiliza e por aí fora”, exemplifica a psicóloga, acrescentando em seguida que “tentam aceder as crianças sobretudo que estão isoladas, crianças com baixa autoestima, com necessidades de atenção, depois percebem se têm baixa supervisão parental, e até, eventualmente, alguma situação já traumática prévia”. 

Daqui parte para o processo de “grooming”, tentando sempre que os pais não tenham conhecimento da sua existência e apelando a segredo. O passo seguinte será a “sexualização da relação” onde os abusadores “começam por falar de temas de carater sexual, partilham imagens de pornografia, depois podem persuadir a criança a usar a webcam para trocarem imagens privadas e com isso vão começar a ter um controlo da criança”.

Quando, às vezes, as vítimas se apercebem que “há qualquer coisa errada, já está envolvida na situação” e a verdade é que “têm medo, têm vergonha, sentem culpa e não falam”.

Quais são os sinais a que os pais devem estar alerta

Apesar das crianças serem diferentes entre si, há alguns sinais, que a psicóloga Alexandra Anciães, considera reveladores de que alguma coisa não está bem. E o “isolamento” é um deles.

O que é que estes indivíduos fazem? Geralmente tentam isolar a criança. O que é que eles dizem? ‘fecha-te no quarto, ou num determinado sítio’. Às vezes, as crianças vão para locais mais isolados, como a casa de banho e estão lá bastante tempo dentro”. Ou seja, “perceber que a criança começa a ficar demasiado isolada, que não fechava a porta do quarto e passou a fechar”.

Além disso, devem estar atentos, a crianças que “mostram alguns sinais de tristeza, de irritabilidade”. Mas podem ser também alterações nos padrões de sono, de alimentações, começar com medos, comportamentos regressivos ou de chamada de atenção”.

Em situações mais graves podem surgir “auto lesões, começar com uma depressão” ou até surgir uma “intenção suicida”.

“Na adolescência já é demasiado tarde para se falar disso”

A prevenção continua a ser uma das melhores formas de proteger as crianças. Este é um papel que cabe aos pais, mas também pode passar pela educação nas escolas e por campanhas de alerta.

De uma coisa, Alexandra Anciães, não tem dúvidas: “A sexualidade. Na adolescência já é demasiado tarde para se falar disso. Tem que se começar a falar quando as crianças têm três ou quatro anos”. Sendo que há formas mais eficazes de abordar o tema consoante a idade.

Aquilo que nós sabemos é que as crianças para quem a sexualidade não é um tabu, que sabem o que é um bom e um mau segredo” serão crianças que mais facilmente “relatam” as situações. Precisam de ter noção do que são “as partes privadas e que as partes privadas são delas, que ninguém tem o direito de poder mexer nelas e, portanto, de as deixar desconfortáveis, mesmo que seja um cuidador”. E considerando que muitas vezes o agressor sexual faz parte da família ou é próximo, as crianças também devem ter pessoas de referência, “alguém de confiança com quem falar sobre estas questões”.

Há outros dois pontos essenciais para esta especialista: “É essencial não por em causa a criança. Acreditar. Isso é fundamental”. Se isso não acontecer é possível que a criança se feche cada vez mais e nunca mais voltar a falar desses temas”. E, além, disso, “apresentar queixa na Polícia Judiciária”.

Para ajudar os pais a lidarem com esta era digital, a própria Ordem dos psicólogos disponibiliza um documento, com explicações e até dicas.

Mais e melhores capacidades digitais para pais

Rosário Farmhouse, presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ) assume à CNN Portugal que, desde o início, esta foi uma preocupação da Comissão. “Desde o inicio da pandemia, começámos a criar dicas para os pais e para as crianças estarem atentos a possíveis fenómenos de abusos online”, diz.

Apesar destes casos raramente passarem pelas Comissões de Proteção de Menores, os relatos foram chegando: “A comissão nacional foi sentindo este aumento e a preocupação foi também crescendo, mas não temos dados concretos”, explica.

“Soubemos de vários testemunhos. Por exemplo, alguns com crianças pequeninas, que os pais entravam no quarto e viam que se estavam a despir para a câmara”.

Além da prevenção, Rosário Farmhouse considera essencial que os pais, tenham mais capacidades digitais: “O perigo do abuso online é muito invisível. Os próprios pais ou cuidadores, é sabido que têm menos competências digitais que as crianças hoje em dia, por isso também não estão atentos aos eventuais perigos”.

Mas as crianças não podem ser esquecidas e também devem aprender a se defender online, na sua opinião: “competências básicas deviam ser dadas a todos. Crianças e adultos”. E porque esta é uma ameaça que não bate à porta antes de entrar, deixa um alerta.

Todos somos poucos, porque estamos a combater um inimigo que é bastante invisível, que entra em qualquer cantinho de uma casa, sem se dar por isso. Aqui as grandes empresas poderiam ajudar. Criando, eventualmente, algoritmos, detetar determinadas palavras. Pode-se tentar criar ferramentas usando a própria internet”.

A presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens também considera que é muito importante os adultos acreditarem nas crianças e que, infelizmente, isso nem sempre acontece, o que leva os menores a não falarem.

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