ENTREVISTA | Uma em cada cinco crianças é vítima de violência sexual na Europa. Violência que vai desde contactos físicos inapropriados ao assédio sexual, ou mesmo à violação e à exploração para fins de prostituição e pornografia. Os números são do Human Rights Channel do Conselho da Europa. Em Portugal, "é urgente a realização de um estudo de prevalência da violência sexual contra crianças e jovens a nível nacional"
“Falar é o primeiro passo para proteger”. Poderia ser esta a frase que melhor resume o livro Podes Falar Comigo. Um livro escrito a quatro mãos, por Rute Agulhas, psicóloga, e Jorge Neo Costa, assistente social. Unidos pela experiência no Grupo VITA — a equipa independente criada pela Igreja Católica para prevenir e responder a abusos sexuais de menores — os dois profissionais juntaram experiências, olhares e percursos para criar uma obra que é um “guia para compreender, prevenir e agir”. Acima de tudo, é um apelo à prevenção.
Rute Agulhas e Jorge Neo Costa contam à CNN Portugal que o projeto nasceu muito antes da constituição do Grupo VITA e que, de certa forma, até foi adiado por causa dele. A psicóloga e o assistente social falam, acima de tudo, da importância de desconstruir mitos e tabus em torno do abuso sexual de menores. Alertam para o papel das famílias, das escolas e da comunidade na proteção das crianças e no combate à violência sexual infantil. Com uma linguagem acessível e orientações práticas, o livro deixa claro que todos podemos (e devemos) ser parte da proteção de crianças e jovens. E nunca é cedo demais para começar.
Como surgiu a ideia de escrever "Podes Falar Comigo" e como foi o processo de colaboração entre uma psicóloga e um assistente social? O facto de fazerem ambos parte do Grupo VITA impeliu-vos, de alguma forma, a este livro?
Rute Agulhas (RA): A ideia de escrever este livro surgiu há mais de dois anos e começou a ser amadurecida desde então, concretizando-se mais recentemente, também porque entendemos importante adiar este processo de modo a não coincidir com o início de funcionamento do Grupo VITA. Até para que os papéis que desempenhamos não fossem, de alguma forma, confundidos. Trabalho na área da criminalidade sexual contra crianças há 27 anos e sinto a necessidade crescente em apostar numa lógica mais preventiva do que remediativa. Ou seja, em atuar antes do problema acontecer. Por isso, o acento tónico deste livro é colocado na prevenção primária ou universal, pese embora também aborde o processo de sinalização face a uma suspeita ou revelação, inclusive com o olhar do Ministério Público e da Polícia Judiciária, que ajudam o leitor a melhor compreender o que acontece depois de uma sinalização.
Desde o início que pensei em envolver neste livro um colega de outra área profissional, exatamente por tal permitir um olhar complementar sobre o fenómeno. O Serviço Social é uma área muito relevante e que “casa” muito bem com a Psicologia, tendo em conta o olhar sistémico que esta problemática exige, bem como a necessidade de uma intervenção focada, não apenas nas vítimas, mas também nas suas famílias e mesmo na comunidade de uma forma geral.
O facto de integrarmos o Grupo VITA constituiu um incentivo adicional, na medida em que o trabalho que temos vindo a desenvolver no contexto da Igreja Católica em Portugal tem reforçado a importância de se investir na prevenção e na criação de ambientes seguros e protetores.
Dedicam um primeiro capítulo a explicar-nos alguns conceitos. Estamos mesmo mal informados sobre a violência sexual contra crianças?
Jorge Neo Costa (JNC): A violência sexual contra crianças continua a ser um tema difícil de abordar para a maioria das pessoas e as notícias que habitualmente vemos nos meios de comunicação social geram, por vezes, algum alarmismo, ao mesmo tempo que se confundem conceitos, principalmente no que diz respeito à pedofilia (como se todas as pessoas que agridem sexualmente fossem pedófilas). Assim, importa clarificar conceitos e saber exatamente do que estamos a falar quando nos referimos à criminalidade sexual contra crianças – que comportamentos envolve, quais as dinâmicas abusivas mais frequentes, quem podem ser as vítimas ou as pessoas que agridem sexualmente.
E ainda há muitos mitos a desfazer…
JNC: Existem vários mitos que importa desconstruir, para que seja possível construir uma sociedade mais segura para as nossas crianças e jovens, seja sobre as vítimas, as pessoas agressoras ou as dinâmicas abusivas. Por exemplo, importa clarificar que a maior parte das situações de violência sexual ocorrem em contexto familiar, ou seja, por parte de alguém que a criança conhece e em quem confia, e que não existe um perfil de vítima ou de pessoa agressora.
Há muito silêncio e tabu em torno do abuso sexual infantil em Portugal?
JNC: A violência sexual contra crianças caracteriza-se, sobretudo, pelo segredo e pelo silêncio, potenciados pelo medo, pela culpa e pela vergonha. É ainda um tema tabu do qual se evita falar, porque gera desconforto e ansiedade e não se sabe como poderá ser abordado. Receia-se também que falar sobre o tema possa gerar medo e desconfiança generalizada nas crianças, que passariam a recear toda a gente e em todos os contextos. Perante isto, é importante salientar que o tema deve ser abordado, sim, mas de uma forma adequada à idade e à maturidade de cada criança.
Quebrar o silêncio e incentivar o processo de revelação é a melhor forma de combater este tipo de criminalidade. Compete-nos a todos nós, adultos, fazer com que este tema deixe de ser um tabu.
Esta questão dos abusos sexuais no seio da Igreja e o próprio Grupo VITA têm ajudado a despertar consciências e até a prevenir abusos?
RA: Pensamos que sim. O mediatismo dos processos de violência sexual no contexto específico da Igreja tem contribuído para que a sociedade, de uma forma geral, fique mais sensibilizada e consciente sobre esta problemática e, consequentemente, mais alerta para este tipo de criminalidade, mesmo noutros contextos – onde, como sabemos, é também mais frequente (nomeadamente, no contexto intrafamiliar e no mundo digital).
O segundo capítulo é dedicado à prevenção. Falamos pouco com os nossos filhos sobre o assunto, sobre privacidade e sobre relacionamentos?
RA: Sim, de uma forma geral, os pais e os educadores/professores falam pouco sobre este tema, exatamente por não saberem muito bem de que modo o devem fazer. Atualmente, a maior parte dos adultos reconhece que é incontornável abordar-se este tema com as crianças e jovens. No entanto, quando o fazem, é sobretudo com o foco no chamado “stranger danger”, ou seja, nos perigos associados aos estranhos.
Aquilo que parece ser mais difícil para os adultos é abordar com os mais novos a ideia de que mesmo as pessoas de quem gostamos podem fazer coisas de que não gostamos e que, nessas situações, deve sempre pedir-se ajuda. Associar o perigo aos estranhos acaba por ser uma forma mais confrontável de se abordar o tema – porém, uma forma incorreta que não contribui para manter as crianças em segurança.
A Rute escreveu também a história da "Julieta, a tartaruga que perdeu a carapaça", que nos pode ajudar a abordar o assunto com crianças mais jovens. Com que idade é que eu, enquanto mãe, devo começar a falar destas questões aos meus filhos?
RA: Escrevi esta história dedicada às crianças mais novas, em idade pré-escolar, por ser exatamente esta a faixa etária em que devemos começar a abordar o tema, naturalmente de uma forma simples e com uma linguagem ajustada à idade. De uma forma acessível, e apelando ao imaginário infantil, é possível falar-se do corpo e das partes privadas, dos diferentes tipos de toques e segredos e, ainda, das emoções e da importância em pedir ajuda a alguém em quem se confie. Nesta história, é exatamente um amigo da Julieta – o Polvo – que faz algo de que ela não gosta, permitindo também abordar esta questão sensível de nos depararmos com situações de risco que envolvem pessoas de quem gostamos e a quem desejamos ser leais. Assim, de uma forma lúdica, e sem qualquer linguagem sexualizada, é possível ajudar os mais novos a protegerem o seu corpo e a saberem pedir ajuda sempre que se sentirem desconfortáveis ou experienciarem emoções mais desagradáveis.
Esta história infantil permite ainda desconstruir um outro mito muito frequente, em que se acredita que falar de prevenção é falar de sexo. Falar de prevenção é falar de segurança e limites, de proteção e de cuidado.
Da mesma forma que falamos com as crianças sobre segurança rodoviária, ou sobre o que fazer em caso de sismo, devemos falar sobre as principais regras de segurança para se manterem sempre seguras e protegidas.
E como adaptar a linguagem às diferentes idades? Eu, por exemplo, tenho um filho de três e outro de 12. Como e em que circunstâncias falar com eles? Devo aproveitar as circunstâncias do dia a dia ou a conversa deve ter alguma formalidade?
JNC: Falar de prevenção da violência sexual não pressupõe qualquer tipo de formalidade e não pode ocorrer numa única conversa. Deve, sim, ser um tema conversado com naturalidade e tranquilidade, em casa, aproveitando as mais diversas situações do dia a dia, e sempre com um discurso adaptado à idade e maturidade da criança.
Estas conversas não devem é acontecer de forma apressada, ou seja, se apenas temos dez minutos para levar o filho à escola, talvez não seja o momento mais indicado para iniciar uma conversa que, depois, não se consegue finalizar.
Pode dar-nos exemplos de situações do dia a dia que podem ser aproveitadas para falar destes assuntos?
JNC: Para uma criança de três anos, por exemplo, podemos aproveitar a rotina da higiene diária e, durante a mesma, ensinar o nome correto de todas as partes do corpo e explicar quais são as partes íntimas ou privadas. Devemos ainda explicar que as partes privadas devem estar tapadas pela roupa interior ou pelo fato de banho e clarificar quem são as pessoas que as podem ver ou tocar, e em que contextos (p. ex., contexto de limpeza ou de cuidados de saúde). Às crianças mais novas devemos ainda ensinar que não são obrigadas a aceitar beijos, abraços ou cócegas de outras pessoas (mesmo de pessoas muito próximas), se isso as fizerem sentir desconfortáveis.
Já para um jovem de 12 anos, com outra maturidade, podemos definir um plano de segurança familiar, onde se ajuda a identificar quem são os vários adultos de confiança em seu redor e a quem pode pedir ajuda sempre que precisar. Devemos ainda ajudar a distinguir entre toques adequados e desadequados, bem como entre segredos seguros (que podem ser guardados) e inseguros (que devem ser revelados).
A partir do momento em que a criança ou jovem tem acesso a um telemóvel, também a segurança online deve ser abordada de forma clara, antecipando possíveis situações de risco ou perigo.
Em todas as idades, ou seja, ao longo de todo o percurso de desenvolvimento das crianças, devemos falar regularmente sobre estes temas, sem alarmismos, de forma a que possam crescer mais informadas e com as ferramentas necessárias para saberem como, quando e a quem pedir ajuda.
Qual é o papel da escola e da comunidade na prevenção de abusos sexuais contra crianças e na denúncia, caso já estejamos perante um facto consumado?
JNC: Os dados estatísticos conhecidos dizem-nos que a maioria das situações de violência sexual contra crianças ocorre no seio intrafamiliar e nas relações de conhecimento, pelo que é fundamental que os adultos que estão presentes nos diversos contextos onde a criança está inserida estejam devidamente informados sobre esta realidade, sabendo como prevenir e como atuar.
A escola assume um papel extremamente importante, na medida em que é um espaço onde as crianças passam grande parte do seu tempo e lá estabelecem relações muito significativas, com pares e adultos. Assim, e da mesma forma que se revela um contexto privilegiado para desenvolver programas preventivos, deve desenvolver e divulgar por toda a comunidade educativa políticas e procedimentos de deteção e sinalização, com a criação de códigos de conduta e canais de denúncia.
Como podemos ensinar as crianças a reconhecer e incentivá-las a comunicar situações de abuso?
RA: Desde cedo, as crianças devem ser ensinadas a Reconhecer, Reagir e Revelar.
Reconhecer – as diversas partes do corpo, nomeadamente, as de natureza íntima ou privada; os diversos tipos de toques, que apenas podem ocorrer nas partes privadas em determinados contextos; os diversos tipos de segredos, seguros ou inseguros; as diversas emoções, agradáveis e desagradáveis; as situações que podem envolver algum risco – por exemplo, toques nas zonas privadas que, apesar de serem agradáveis, são efetuados em contextos diferentes daqueles em que seria suposto acontecerem e dos quais é pedido segredo.
Reagir – aprender que, mesmo perante adultos e figuras de autoridade, podem dizer “sim” e “não”; ameaçar contar a um adulto de confiança.
Revelar – identificar pelo menos cinco adultos de confiança a quem podem pedir ajuda, de diversos contextos (intra e extrafamiliar), sabendo que não devem desistir até que sejam acreditadas e protegidas.
Quais são os maiores obstáculos a que uma criança fale sobre algo tão sensível?
RA: As principais barreiras ao processo de revelação são:
- A imaturidade da criança, fruto da sua tenra idade ou de uma perturbação do desenvolvimento, que leva a que possa nem sequer perceber aquilo que está a vivenciar (podendo entender como uma brincadeira, por exemplo);
- A vergonha, que é potenciada pelo facto de ser um tema tabu nas famílias e na sociedade em geral;
- A culpa, que muitas vezes é reforçada pela pessoa agressora, culpabilizando a criança por ter feito ou dito algo, ou por não ter feito, ou, ainda, por ter gostado ou não ter gritado e dito “não”. Alguns exemplos de verbalizações geradoras de culpa são: “tu não fechaste a porta da casa de banho”, “dançaste daquela forma à minha frente”, “não gritaste nem disseste que não querias”, “tu até gostaste”;
- O medo, de não serem acreditadas, bem como de eventuais consequências negativas para si e/ou para terceiros;
- Os conflitos de lealdade, tendo em conta que, na maior parte das vezes, as crianças gostam da pessoa agressora e mantêm com esta uma relação afetiva.
A que sinais de alerta devem os adultos estar atentos e que podem indiciar uma situação de abuso?
JNC: Não existem sinais de alerta específicos de violência sexual, com exceção dos sinais ou sintomas físicos, nomeadamente, a gravidez, as infeções sexualmente transmissíveis ou determinadas lesões nos órgãos genitais. Todos os outros sinais e sintomas (emocionais, comportamentais e/ou cognitivos) podem estar relacionados com diversas situações e vivências da criança.
Assim, acima de tudo, é importante que os adultos conheçam bem as crianças e que estejam particularmente atentos a eventuais alterações no seu funcionamento habitual, face às quais devem, de uma forma tranquila, abordá-las e tentar perceber o que motivou essa mesma alteração.
Importa reforçar que, perante uma alteração no funcionamento da criança, não compete aos adultos fazer qualquer tipo de investigação. Em caso de uma suspeita ou revelação de violência sexual, devem de imediato contactar a Polícia Judiciária (através do número de telefone que funciona 24 horas por dia) ou o Ministério Público, que são as entidades competentes em Portugal para este tipo de investigação.
O Jorge já respondeu de alguma forma a esta questão. Mas gostava que fosse mais específico. O que deve um adulto fazer se uma criança lhe disser "preciso de falar contigo"?
JNC: Ser “escolhido” por uma criança para falar deve ser considerado um privilégio, no sentido em que aquela criança o escolheu a si por confiar e saber que a pode ajudar. O adulto deve, de forma tranquila, mostrar-se disponível para ouvir atentamente o que a criança lhe quer contar. Deve procurar um local reservado para a escutar, sem pressas ou alarmismos – lembre-se que as crianças estão muito atentas à comunicação verbal e não verbal e se sentirem que o adulto está a ficar assustado ou triste, por exemplo, podem parar de falar, como forma de o proteger.
Na escuta da criança não devemos fazer perguntas detalhadas, mas sim deixá-la contar o que se passou de forma livre e ao seu ritmo. Para além de questões mais abertas como, por exemplo, “conta-me o que se passou” ou “e o que aconteceu a seguir?”, pode ainda conduzir a conversa de modo a tentar perceber quem, onde, quando e como sucedeu algo.
Há um risco de "hiperinterpretação" ou "alarmismo"? Como equilibrar prevenção e bom senso?
JNC: A sexualidade, por si só, é já um assunto difícil de abordar para grande parte das famílias. Muitos adultos foram educados no sentido de não falarem abertamente sobre a sexualidade e, por isso, quando se fala em violência sexual, é frequente que o tema ative algum alarmismo e emoções mais desagradáveis.
Importa que as crianças, que são os adultos de amanhã, sejam capazes de falar do seu corpo e de limites pessoais de uma forma natural, sabendo como devem manter-se seguras e protegidas e, ainda, como identificar possíveis situações abusivas e o que fazer perante as mesmas.
Que tipo de feedback têm recebido de pais e educadores acerca deste livro?
JNC: O feedback tem sido muito positivo, pois é um livro que foi escrito de forma muito simples e acessível. Torna mais fácil abordar este tema com as crianças. Sentimos que muitos adultos sentiam a necessidade de materiais que os ajudassem a falar de violência sexual sem alarmismos ou medos – mas ainda há muito mais para fazer!
RA: No que diz respeita ao livro da Julieta, o feedback tem sido igualmente muito positivo, quer por parte de pais, quer de Educadores de Infância, que encontram aqui um recurso lúdico muito acessível e que, de uma forma descomplicada, aborda um tema sensível.
Que papel têm os media e as redes sociais na sensibilização deste tema?
JNC: Os media assumem um papel fulcral na prevenção da violência sexual contra crianças, na medida em que fazem com que a informação chegue rapidamente a um grande número de pessoas, de diferentes contextos e faixas etárias. Seria importante que os media falassem mais sobre este tema, sempre de uma forma positiva e construtiva. Ou seja, mais do que tornar públicas as diversas situações que vão ocorrendo, adotar uma postura ainda mais ativa na prevenção. Seria muito importante criar espaços de debate e partilhar anúncios e campanhas para crianças e jovens sobre proteção e cuidado.
RA: Acrescentaria que os media e as redes sociais podem ainda ter um papel muito importante na desconstrução de alguns mitos que ainda persistem e que acabam por ser inibidores do processo de revelação. Da mesma forma, é fundamental que se aposte na divulgação de políticas e estratégias preventivas, mesmo a nível internacional, até como forma de pressionar o poder político nacional a, cada vez mais, investir nessa área concreta.
Por falar em investimento e poder político, que medidas públicas e políticas gostariam de ver implementadas a nível nacional para reforçar a prevenção e resposta a este tipo de violência?
RA: Em primeiro lugar, é urgente a realização de um estudo de prevalência da violência sexual contra crianças e jovens a nível nacional, mapeando todas as faixas etárias e contextos. Sem um retrato e um diagnóstico rigoroso da realidade nacional torna-se mais difícil desenvolver estratégias de prevenção e intervenção adequadas.
Em segundo lugar, é fundamental que a proteção das crianças e jovens se assuma como uma prioridade na agenda política, e que tal se traduza na criação de respostas especializadas, gratuitas e disponíveis a nível nacional, que garantam o apoio necessário, não apenas para as vítimas, mas também para as suas famílias. Ao mesmo tempo, urge pensar em respostas de intervenção especializadas especialmente dirigidas a pessoas agressoras (que já cometeram o comportamento abusivo ou que estão em risco de o cometer), jovens ou adultos. Importa sublinhar que a intervenção terapêutica junto das pessoas agressoras tende a diminuir o risco de recidiva e é também uma forma de proteger outras crianças.
Por fim, tem de existir uma séria aposta na prevenção primária ou universal, envolvendo as crianças, os jovens e as suas famílias de uma forma ativa, com programas de prevenção estruturados e aplicados ao longo do tempo, desde a idade pré-escolar. As ações de sensibilização pontuais que ocorrem em determinadas datas do calendário não são suficientes para mudar crenças, atitudes e comportamentos. Apenas sensibilizam para o tema, mas não se traduzem num processo de mudança efetivo que garanta a proteção e a segurança dos mais novos.
O que diriam a uma criança que esteja a viver em silêncio uma situação de abuso?
JNC: Diríamos “não guardes para ti esse segredo, que tanto te faz mal. Procura um adulto da tua confiança para falares sobre essa situação. Lembra-te que podes pedir ajuda a um familiar, a um professor, a um treinador ou até aos pais de um amigo. Não estás sozinho e não tens culpa do que te aconteceu ou está a acontecer. Mereces ser feliz e todos nós, adultos, devemos lutar pela tua felicidade e proteção”.
E a um adulto que desconfia, mas tem medo de agir?
RA: Diríamos que “compreendo que sinta esse receio, mas é importante confiar e acreditar nos serviços especializados nesta problemática. Se nada fizer, a eventual situação abusiva irá manter-se e é importante quebrar este segredo, de modo a proteger esta e outras crianças. Caso essa desconfiança seja infundada, existirá a oportunidade de se clarificar a situação”.