Tem dez anos, foi violada e teve de viajar mais de 350 quilómetros entre estados para conseguir abortar

4 jul 2022, 11:58
Protestos contra e a favor do aborto nos Estados Unidos (AP)

Decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos fez com que muitas mulheres tivessem de viajar entre estados para conseguir terminar a gravidez. No estado do Ohio, é proibido qualquer aborto após as seis semanas de gravidez

A história de uma menina de dez anos que foi violada, engravidou e foi impedida de abortar no Ohio, nos EUA, foi conhecida três dias depois da anulação da proteção do direito ao aborto, em vigor nos EUA desde 1973, pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos.

Poucas horas depois da decisão do Supremo Tribunal, o estado do Ohio proibiu qualquer aborto após as seis semanas de gravidez, altura em que muitas mulheres ainda desconhecem que estão grávidas, exceto em casos de risco de vida ou saúde gravemente comprometida da mãe.

Perante esta decisão, o médico que acompanha esta menina - cuja identidade não foi divulgada - ligou para Caitlin Bernard, ginecologista e obstetra em Indianapolis, para lhe pedir que ajudasse a sua paciente, uma vez que o estado do Indiana ainda não baniu nem restringiu o aborto, apesar de estar prevista uma assembleia extraordinária para debater o assunto.

Bernard aceitou e, segundo o jornal The Guardian, a menina, que está grávida de seis semanas, está a caminho do Indiana, numa viagem de mais de 350 quilómetros.

Em entrevista ao Columbus Dispatch, Caitlin Bernard afirma que as clínicas deste estado estão a receber um aumento de pedidos de pacientes que chegam dos estados vizinhos onde o aborto é agora restrito ou proibido.

"É difícil imaginar que em poucas semanas não seremos capazes de providenciar estes serviços", afirmou a médica. 

"Esta tragédia é horrível", mas abortar seria "outra tragédia"

A decisão do Supremo Tribunal norte-americano em reverter o direito constitucional ao aborto teve efeitos imediatos para as grávidas no país, uma vez que o aborto passou a ser proibido na maioria dos casos, em vários estados. 

Em entrevista à CNN, Kristi Noem, governadora republicana da Dakota do Sul, afirmou que acha "incrível" que "ninguém esteja a falar sobre o indivíduo pervertido, horrível e maluco que violou uma criança de 10 anos”.

Neste estado, o aborto é agora um ato criminoso, a não ser que exista uma "justificação médica apropriada e razoável de que a realização do aborto é necessária para preservar a vida da grávida". Nestas exceções não estão incluídas violação ou casos de incesto.

"Esta tragédia é horrível. Nem consigo imaginar. Nunca tive ninguém na minha família ou eu mesma a passar por algo como isto. Mas, na Dakota do Sul, hoje a lei diz que os abortos são ilegais, exceto para salvar a vida da mãe. (...) Não acredito que uma situação trágica deva ser seguida por outra tragédia. Há mais que temos que fazer para ter a certeza de que estamos realmente a viver uma vida que diz que todas as vidas são preciosas, especialmente as vidas inocentes que foram destruídas, como a daquela menina de dez anos", afirmou.

Por sua vez, Gavin Newsom, governador da Califórnia, que afirmou no Twitter que "o aborto ainda é legal na Califórnia" e que "vai continuar a ser", garantindo que o país será um "local seguro para as mulheres de toda a nação", fez uma nova publicação onde escreveu: "Plataforma do Partido Republicano: Governo determinou a gravidez para crianças de 10 anos".

"As pessoas querem-me morto"

O Colorado é um dos estados onde o acesso ao aborto é permitido por lei. Em abril, o governador Jared Polis assinou a Lei de Igualdade em Saúde Reprodutiva, que os democratas aprovaram e que permite o acesso ao aborto.

De acordo com o The Guardian, a cidade de Boulder é uma das cidades em que quem procura ajuda se sente acolhido, mas depois da decisão do Supremo Tribunal, as coisas mudaram de figura, com vários protestos nas ruas e até ameaças aos profissionais de saúde.

Warren Hern, diretor da Clínica de Aborto de Boulder, diz que o seu estabelecimento tem sido alvo de vandalismo e que os médicos têm sido intimidados e recebido ameaças de morte.

"Boulder é, provavelmente, a comunidade mais pró-escolha no país. Mas há algumas pessoas na comunidade que me querem morto", afirma Hern, acrescentando que o perigo de vida é uma realidade para quem ajuda as pessoas a abortar nos EUA.

Mary Ziegler, historiadora jurídica da Faculdade de Direito da Universidade Estadual da Florida, diz que estes ataques violentos têm sido "bem sucedidos na medida em que fizeram com que as pessoas ficassem menos interessadas em ir a clínicas de aborto e menos interessadas em ir a provedores de aborto”.

Também a vida destes profissionais mudou, fazendo com que muitos passassem a usar coletes à prova de bala e que as clínicas passassem a ter vidros à prova de bala e portas de segurança.

"As pessoas nos Estados Unidos pensavam mais negativamente no movimento antiaborto como sendo uma espécie de movimento de supremacia branca misógino. Ser um movimento violento deixa muitas pessoas relutantes em se associarem”, acrescentou Ziegler.

O Supremo Tribunal dos Estados Unidos anulou, no dia 24 de junho, a proteção do direito ao aborto em vigor no país desde 1973, permitindo que cada Estado decida se mantém ou proíbe a interrupção voluntária da gravidez. Os juízes do Supremo, com uma maioria conservadora, decidiram anular a decisão do processo “Roe vs. Wade”, que protegia como constitucional o direito das mulheres ao aborto.

E.U.A.

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