"Milhões de americanos acordaram com medo". A emotiva mensagem de Obama sobre a regressão no direito ao aborto

24 jun 2022, 16:52
Barack Obama (AP Images)

Barack Obama fez uma análise a toda a sociedade norte-americana a partir da reversão da lei que dava direito ao aborto às mulheres de todos os estados

“Hoje, milhões de americanos acordaram com medo de as suas liberdades essenciais protegidas pela Constituição estarem em risco”. É assim que o antigo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, começa um texto em que critica a mais recente decisão do Supremo Tribunal, que reverteu uma decisão com quase 50 anos que protegia o direito das mulheres ao aborto, que agora passa a ser decidido por cada estado, sabendo-se que há vários, mais conservadores, que são contra o direito a este procedimento.

Num texto assinado em conjunto com a mulher, Michelle, Barack Obama refere que não são apenas os últimos 50 anos que estão em causa: “Isto vai relegar a decisão mais pessoal que uma pessoa pode tomar aos caprichos de políticos e ideólogos”.

“Poucas mulheres, se é que existem, tomam a decisão de colocar fim à gravidez casualmente”, recorda o ex-presidente, reconhecendo que o espectro político pode ter “visões diferentes sobre a matéria”.

No entanto, Barack Obama deixa a entender que o caso Roe vs Wade, que agora é revertido, é muito mais do que apenas o aborto: “A emenda da Constituição diz que todos podemos disfrutar de uma esfera das nossas vidas sem a intromissão do Estado – uma esfera que inclui decisões pessoais como com quem dormimos, com quem casamos, se usamos ou não contraceção, e se queremos ou não ter crianças”.

O ex-presidente diz mesmo que esta decisão não vai afetar apenas as mulheres, mas “todos os que acreditam numa sociedade livre”.

Barack Obama afirma ainda que “é improvável que esta decisão signifique a redução dos abortos, que até têm diminuído constantemente ao longo das últimas décadas”, sobretudo por causa de melhores acessos a contraceção e a educação.

“Em vez disso, e como já vemos a acontecer, as mulheres vão ter de viajar para estados onde o aborto continua a ser legal e seguro”, acrescenta, lembrando as mulheres que “não têm dinheiro ou acesso a transportes”, que “vão enfrentar as mesmas circunstâncias que as mulheres enfrentavam antes de Roe”, o que coloca em causa uma “procura desesperada por abortos ilegais que vai causar graves riscos à saúde, à possibilidade futura de ter filhos e até às suas vidas”.

Tirando esta decisão como uma lição para a sociedade, Barack Obama pede que este seja um “forte alarme” ao papel que os tribunais têm na proteção dos direitos, deixando depois uma análise mais política: “E também no facto de que as eleições têm consequências”. É que, dos seis juízes que votaram a favor da decisão, três deles foram nomeados por Donald Trump, aumentando um caráter conservador já existente naquele tribunal.

Numa parte mais pessoal da mensagem, Barack Obama dirige-se à população: “Se for consigo, pergunte-se o que pensa sobre a estudante que acordou no dia a seguir a ter sido forçada a fazer sexo sem proteção. Pense nas centenas de milhares de mulheres que a cada ano merecem a dignidade e a liberdade de decidir escolher sobre os seus corpos e circunstâncias”.

“Um dia pode ser uma dessas pessoas. Ou pode conhecê-la. Se não, pergunte-se se conhece a história de toda a gente”, termina, fazendo um último apelo: “Juntem-se aos ativistas que têm soado o alarme ao longo dos anos. Vão com eles a um protesto”.

A favor e contra, as várias reações

A procuradora-geral dos Estados Unidos garantiu que o Departamento de Justiça vai continuar a utilizar todas as armas ao seu dispor para proteger a liberdade reprodutiva. Segundo Merrick Garland, as agências federais devem continuar a providenciar serviços de saúde nesta área até ao limite em que isso é permitido pela lei federal.

"Esta decisão é um golpe devastador na liberdade reprodutiva dos Estados Unidos", disse, falando num "impacto imediato e irreversível nas vidas de todas as pessoas em torno do país".

Quem não concorda com esta visão é Donald Trump, que, em entrevista à Fox News, classificou a decisão do Supremo Tribunal como positiva: "Devolve aos estados aquilo que nunca devia ter saído".

Mike Pence, que foi vice-presidente de Donald Trump, refere que a reversão de Roe vs Wade "deu ao povo americano um novo começo para a vida", falando depois sobre a "coragem dos juízes em manterem as suas convicções".

A presidente da Câmara dos Representantes discordou totalmente da decisão, atacando mesmo o Partido Republicano, que "controla o Supremo Tribunal". Nancy Pelosi afirmou que aquele partido "alcançou o mais negro e extremo objetivo de rasgar o direito das mulheres às suas próprias decisões reprodutivas".

Numa pequena declaração, a responsável culpou diretamente Donald Trump, Mitch McConnel, líder da minoria no Senado e o Partido Republicano por aquilo que diz ser um retrocesso: "As mulheres americanas têm hoje menos liberdade do que as mães".

Nancy Pelosi fala mesmo numa "cruzada para criminalizar a liberdade na saúde", apontando ainda uma conspiração para o fim do direito ao aborto em todo o país: "Querem prender médicos que ofereçam cuidados reprodutivos e as mulheres por colocarem fim à gravidez".

"Os extremistas do Partido Republicano até ameaçam criminalizar a contraceção, bem como a fertilização in vitro e o cuidado após um aborto espontâneo", acrescentou, vincando que as decisões da mulher cabem à mulher, e não aos "políticos da direita radical".

A mensagem da política termina com olho nas intercalares de novembro, nas quais diz que os direitos das mulheres e de todos os americanos vão estar em jogo.

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