Um rapaz de seis anos disparou uma arma na sala de aula contra a sua professora, atingindo-a no peito. O ataque ocorreu sexta-feira na escola primária de Richneck, em Newport News, Virginia, nos Estados Unidos. Segundo as autoridades, o ataque “não foi acidental”, ocorrrendo depois de uma altercação (“sem força física nem luta”) entre a professora e o aluno. A criança foi detida e a professora – Abby Zwerner (na foto, retirada da sua página de Facebook) – está em estado estável. A arma, que a criança levava na mochila, terá sido comprada pela sua mãe. Leia a opinião de Jill Filipovic.
Nota do editor: Jill Filipovic é jornalista em Nova Iorque, nos Estados Unidos, e autora do livro "OK Boomer, Let's Talk: How My Generation Got Left Behind" [tradução livre, “OK, Pai da Geração Baby-Boomer, Vamos Falar: Como a Minha Geração Ficou Para Trás”]. Siga-a no Twitter @JillFilipovic. As opiniões aqui expressas são as suas.
É uma daquelas histórias que só acontecem na América: um rapaz de 6 anos leva na mochila uma arma para a escola, saca e dispara contra a sua professora. Felizmente, parece que a professora, Abby Zwerner, vai sobreviver.
Mas ninguém - nem ela, nem o rapaz, nem os outros estudantes da escola Newport News, na Virginia - pode sair disto incólume. E, mais uma vez, aqueles que [nos Estados Unidos] colocam os direitos de usar armas acima de todos os outros interesses nada mais oferecem do que lamentos pêsames e orações, enquanto o resto de nós, derrotados, olha à volta perguntando-se como pode acontecer que vivamos numa nação que simplesmente aceita este tipo de violência como um custo quotidiano da “liberdade” de possuir armas concebidas para acabar com a vida humana.
A insana cultura americana de armas, e as leis radicalmente laxistas sobre armas, levaram-nos a alguns lugares obscuros. Já vimos mais de uma dúzia de estudantes do ensino básico serem abatidos a tiro nas suas salas de aula por homens zangados que mal tinham acabado o liceu. Os professores estão a debater se devem ou não levar armas para a escola para proteção, pois há políticos que lhes dizem que esse é o único caminho - enquanto se recusam a fazer algo para prevenir a violência armada, diminuindo a facilidade com que os americanos podem obter armas. Tiroteios em massa irrompem em cinemas, discotecas, mercearias, centros comerciais, hospitais, igrejas, sinagogas, concertos, transportes públicos.
Nesta escala, isto não acontece em mais nenhuma parte do mundo. E as razões são claras: são as armas. Os americanos não são naturalmente mais violentos do que as pessoas em qualquer outro lugar do mundo. Mas quando se põe um monte de armas à mistura, essa violência torna-se frequentemente muito mais mortal.
A história da criança de 6 anos, no entanto, é uma tragédia de tipo próprio. O perpetrador é uma criança pequena, e embora não possamos saber ao certo o que se passava na sua mente, uma criança daquela idade não é provavelmente capaz de uma morte premeditada a sangue frio. As crianças de seis anos ainda acreditam tipicamente que há monstros no armário à noite e que o Pai Natal existe.
Crianças dessa idade acabaram de aprender a nomear as cores e podem não ser capazes de andar de bicicleta. Os seus dentes de bebé estão apenas a começar a cair e, se já se libertaram da cadeira de criança, ainda estão amarrados a um banquinho quando andam de carro. A [empresa de informação médica] WebMD adverte: “As crianças nesta idade ainda estão a aprender coisas sobre som, distância e velocidade. Por isso, mantenha-as afastadas da rua. Elas ainda não sabem o quão perigoso pode ser um carro ou um camião”.
Achamos mesmo que uma criança de 6 anos sabe quão perigosa pode ser uma arma?
Esta criança - praticamente um bebé - cometeu agora um ato que pode persegui-lo para o resto da sua vida. É difícil imaginar que lhe sejam aplicadas quaisquer sanções penais, embora os Estados Unidos seja um país também fora da média quanto à frequência com que envia crianças para o sistema de justiça criminal. Notícias indicavam que a criança estava sob custódia policial, e o chefe da polícia disse numa conferência de imprensa que "temos estado em contacto com o nosso advogado da comunidade e algumas outras entidades para nos ajudar a melhor obter serviços para este jovem homem”.
Mas uma pessoas de 6 anos não é um “jovem homem”. Está muito mais próximo da infância do que da maioridade. Precisa, sem dúvida, de ajuda para ultrapassar o trauma que acabou de sofrer - e infligiu. Certificar-se de que ele está bem e a ser cuidado deve ser a prioridade na avaliação do que se segue para ele.
E, no entanto, foi cometido um erro grave. Isto não foi um acidente. A questão não é o que há de errado com um rapaz de 6 anos por tratar uma arma como um brinquedo. A questão é o que há de errado com o adulto que disponibilizou a arma a uma criança - e que tipo de responsabilidade esperamos dos proprietários de armas.
A violência armada é agora o assassino de crianças número 1 nos Estados Unidos. Morrem mais crianças a tiro do que por cancro ou em acidentes de automóvel. Os Estados Unidos são o único país entre os seus pares económicos pacíficos onde isto é verdade.
Os disparos acidentais constituem uma pequena proporção das mortes por armas de fogo nos EUA. Mas alguma percentagem de homicídios é também o resultado de alguém pegar uma arma de outra pessoa. Muitas vezes consideramos as situações em que o atirador é uma criança que não tinha a intenção de matar ninguém como sendo “acidental”. E, no entanto, não há nada de “acidental” em ter uma arma mortífera em casa.
Se uma pessoa quer ter uma arma mortal, deve, no mínimo, ser responsável por ela. Isso significa que um indivíduo que não consiga manter adequadamente em segurança a sua arma para a manter fora do alcance de uma criança deve ser responsabilizada se essa criança matar ou ferir alguém (a mãe do atirador da escola Sandy Hook Elementary pagou por esse erro com a sua vida). Estes adultos que não consigam manter em segurança as suas armas devem ser responsabilizadas, tanto criminal como civilmente.
O mesmo deve acontecer com os pais extremamente irresponsáveis que dão aos seus filhos armas que são usadas em massacres escolares ou de quaisquer outros tiros, ou que os ajudam a obter uma licença de porte de arma, permitindo-lhes matar.
Um tiroteio é um resultado previsível de ter uma arma em casa. Os defensores das armas falam frequentemente dos seus direitos, mas com esses direitos vêm responsabilidades. E os proprietários de armas que não são responsáveis - que não mantêm as suas armas trancadas, afastadas das munições, num sistema de armazenamento seguro que uma criança não pode abrir - devem ser responsabilizados pela sua negligência.
Quando se trata de armas, simplesmente não há acidentes. A própria presença de uma arma cria as condições para uma violência mortal. Se um americano quiser criar essas condições, o atual Supremo Tribunal diz que esse é um direito seu. Mas ele - e não uma criança de 6 anos - deve ser considerado responsável pelo desfecho.