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Colunista e comentador

Os ‘Joões dos Milhões’ (Neves e Félix), A Dona Paixão e as prostitutas de Banguecoque

6 ago, 09:56

Acho muita piada a este clamor em volta da venda de João Neves e da sua saída do Benfica.

Estamos no século XXI e há adeptos que ainda não perceberam a transformação sofrida pelo futebol nos últimos 30 anos, com a chegada dos agentes, entre os quais Jorge Mendes teve e ainda continua a ter um papel central nessa industrialização.

Há muita dificuldade na consolidação dos projectos porque o dinheiro fala sempre mais alto. 

E não é drama, porque isso acontece em quase todas as dimensões do setor privado, embora o futebol tenha normativamente uma componente pública cuja expressão é, também ela, absorvida pelo peso do dinheiro.

Drama é as pessoas acharem que a doação e a paixão dos adeptos tem uma correspondência na doação (POR PAIXÃO) por parte dos atletas.

Não tem. Porque simplesmente não pode ter.

Repito: acho muita piada a este clamor em volta da venda de João Neves e da sua saída do Benfica.

Uns malham em Rui Costa porque este não soube suster as investidas dos PSGês desta vida.

É claro que se não houvesse tanta ganância e alguma incompetência e se evitassem compras que não têm qualquer racional desportivo e financeiro (e o Benfica tem desperdiçado muitos recursos, na linha daquilo que é a realidade do negócio no futebol de hoje) talvez fosse possível manter os Joões Neves que são fabricados nas ‘oficinas’ dos respectivos clubes.

Sim, se contabilizarmos os milhões desperdiçados em contratações, salários e prémios que não acrescentam nada aos planteis — só despesa — podiam ter sido dadas condições ao João Neves para ficar pelo menos mais um época no Benfica.

Como não é assim, e o futebol vive nesta bolha para manter a roda a girar, distribuindo dinheiro por muitos intermediários, sejam eles oficiais, oficiosos ou aqueles que se satisfazem através das mordomias decorrentes do facto de ajudarem a roda gigante a rodar (sejam fornecedores, patrocinadores ou outro tipo de comerciais) e a paixão fica reduzida a um embuste e a uma enorme falácia, consentidos por quase todos: “the show must go on”.

Uns malham no Rui Costa e outros malham no próprio “Joãozinho”, como o presidente do Benfica o tratou afectivamente no outro dia.

Dizem os malhadores do João que ele só se preocupou com o dinheiro. Mas os senhores acham que o Jorge Mendes e o núcleo mais duro que gira à volta do João estão preocupados com o amor à camisola? Acham mesmo que o João, por mais “benfiquista” que seja, pode ignorar um valor de 5M€ líquidos de salário, por época? O João pode ser ‘benfiquista’ mas não é ‘estupidista’.

Paixão, qual paixão?

Beijar o símbolo do Benfica ou outro símbolo? Poupem-me e acordem para a vida.

Acham que o Di María continua no Benfica por paixão? Poupem-me. Não fossem as balas e as cabeças de porco — e a estabilidade única que encontra em Lisboa — e já teria voado para a Argentina.

E o Otamendi não quis, legitimamente, representar a ‘Celeste’ nos Jogos Olímpicos?

E acham que se o António Silva tem feito uma época à semelhança do que fez na temporada de estreia e se não se tivesse estatelado no Europeu não estaria também de saída, à mercê de um qualquer clube com maior poder financeiro daquele que o Benfica apresenta?

E o Rafa já não havia dado sinais de que uma coisa é paixão e outra coisa, bem diferente, é maior ou menor profissionalismo?

É caso para se dizer que a paixão custa muito dinheiro. A paixão é cara, é caprichosa. 

Preto no branco? A Dona Paixão é uma prostituta. Tão apaixonada quanto aquelas paixões que se vendem nas ruas e nos bares de Banguecoque.

Enquanto a bolha não estiver disposta a rever os mecanismos de funcionamento da roda gigante dentro da bolha, os “Joõezinhos” serão sempre uns ‘dentinhos’ da engrenagem.

Uns mais românticos e outros mais ousados como o outro João, o Félix, que parece ter fumado o cachimbo da paz com o Simeone, mas continua a responder aos adeptos ‘colchoneros’ e manda-os calar.

Isto não é nem falta de paixão. Pode ser alguma falta de juízo mas é, outra vez, excesso de dinheiro.

A Paixão não está nas ruas de Banguecoque nem nas avenidas do Futebol.

Porque a FIFA quer assim.

Porque a UEFA quer assim.

Porque as Federações são escravas da FIFA e, no caso europeu, da UEFA.

Porque os Estados não se atravessam.

Haverá cada vez mais Joões e cada vez manos paixão porque todos aceitam ser marionetas desta aspiração. 

Uns com muito proveito, outros resignados e, finalmente, os malhadores que ainda acham que são o Rui e os Joões os verdadeiros culpados.

Acreditem: não são. Entre os incautos malhadores e os aproveitadores, o futebol tem uma capacidade de atração que, no gigantismo das suas perdas, consegue gerar interesse. E é esse que move desapaixonadamente (repito, desapaixonadamente) os investidores.

Não se deixem enganar. E, por isso, deixem o João em paz e ganhar os milhõezinhos que a indústria lhes coloca, sem esforço especial, nas mãos e nos pés. Não é essa farsa que todos alimentamos? 

Na Luz e não só, talvez seja mais sensato rever o conceito de profissionalismo. Sem concessões nem romantismos.

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