E é a Ramalho Eanes que "podemos dever o facto de este país não ter entrado numa guerra civil"
António Ramalho Eanes, o comandante operacional do 25 de Novembro de 1975
Data assinalada esta segunda-feira no Parlamento catapultou o general para a ribalta
por Maria José Garrido
No dia 29 de novembro de 1975, o Presidente da República, general Costa Gomes, e o primeiro-ministro, almirante Pinheiro de Azevedo, deslocam-se aos Comandos da Amadora. Ali estava instalado o posto de comando da operação militar de reação aos militares paraquedistas revoltosos. É então que, na RTP, perante as mais altas individualidades da nação, um homem de cara séria e óculos escuros partilha a vitória com todos os envolvidos. “Limitei-me a ser o coordenador de uma equipa que conseguiu desenvolver uma série de ações com sucesso. A ação dos Comandos foi em todas as alturas uma ação pronta e o sucesso deve-se em grande parte precisamente à sua atuação e à sua determinação.” O homem que proferia estas palavras era Ramalho Eanes. Na altura e ao longo dos anos, nunca quis ficar com a exclusividade dos louros da operação, mas é a sua figura que sai destacada do 25 de Novembro e é este momento que o vai catapultar para História de Portugal.
Nessa data histórica que marca o fim do Período Revolucionário em Curso (PREC) e de um verão quente cheio de turbulência, divisões e confrontos no país, quem estava com Eanes no posto de comando da Amadora lembra um homem decidido. “Ele tem mais. Ele assume as responsabilidades de tudo o que se passa. Como comandante assumiu”, conta Rui Monteiro Pereira, que esteve na Amadora durante o 25 de Novembro de 1975. Ramalho Eanes foi o comandante operacional da intervenção militar que pôs fim à ocupação de várias bases aéreas pelas forças paraquedistas. A operação estava a ser preparada há algum tempo por Eanes em conjunto com os militares de Abril que formaram o chamado Grupo dos 9 e outros militares da sua confiança. Alípio Tomé Pinto, seu camarada na Escola do Exército e um dos elementos que estiveram com Eanes no posto de comando na Amadora, recorda que tudo começou no dia em recebeu um telefonema de um tal senhor Silva que lhe propôs um encontro, no dia seguinte, em frente à Messe dos Oficiais. À frente da Messe de Oficiais do Exército, no campo de Santa Clara em Lisboa, Tomé Pinto descobre então que o senhor Silva era Ramalho Eanes. Foi por essa altura que Eanes começou a contar espingardas para preparar uma operação que pusesse por fim ao estado em que se encontrava o país. Todos defendem que Portugal estava desgovernado, dividido (civil e militarmente) e à beira de uma guerra civil que poderia ter partido o país ao meio.
A 25 de novembro, o avanço dos paraquedistas acontece depois da substituição de Otelo Saraiva de Carvalho - comandante-adjunto do Comando Operacional do Continente (COPCON) e da Região Militar de Lisboa (RML) - por Vasco Lourenço na chefia da RML. Numa altura em que o Chefe de Estado Maior da Força Aérea os ameaçara de extinção, os paraquedistas tinham tido a garantia de Otelo de que ficariam sob a sua alçada. A mudança no comando da RML faz os paraquedistas temerem pela sua sobrevivência e a ocupação das bases acaba por ser o gatilho para os militares que estavam ao lado de Eanes avançarem, controlando, em conjunto com o então Presidente da República, as diversas forças que estavam ao lado dos paraquedistas. No plano das operações está a distribuição de armas a várias forças civis e é neste contexto que é entregue armamento ao PS, ação que Ramalho Eanes confirmará à TVI numa entrevista em 2010. “Constava da ordem de operações aprovada por Costa Gomes a distribuição de armas a civis para a execução de missões específicas, nomeadamente impedir que determinadas unidades adversas saíssem dos quartéis ou pelo menos tivessem dificuldades. E essas armas foram entregues ao PS por autorização do Posto de Comando da Amadora. E quem dirigia o Posto de Comandos da Amadora era eu, portanto sou eu obviamente o responsável operacional por esse facto.”
Quando se dá o 25 de Novembro, Joaquim Letria era diretor de “O Jornal” e foi para o posto de comando da Amadora. O jornalista, que será anos mais tarde porta-voz de Ramalho Eanes na Presidência da República, já o conhecia da RTP, onde o general foi colocado por Spínola depois do 25 de Abril. Ele recorda a posição moderada assumida, então, pelo comandante operacional quando houve quem quisesse radicalizar à direita a operação militar. “Assisti a algumas discussões e conversas, entre as quais algumas com o general Ramalho Eanes, a quem nós podemos dever o facto de este país não ter entrado numa guerra civil”, conta o jornalista, referindo que havia alguns oficiais a extremar posições propondo “ataques” a que “Eanes se opôs” e a quererem “banir e prender os comunistas”, o que teve também a oposição do então tenente-coronel no comando das operações. Foi com base em muitas destas posições radicais que se considera que, na altura, houve quem tentasse transformar o 25 de Novembro num 28 de Maio de 1926, o golpe de Estado que acabou com a I República, dando início à ditadura. A deriva direitista não foi avante e Ramalho Eanes, ao longo dos anos, vai sublinhar que novembro “reconduziu aos ideais de Abril” e que a partir de então as Forças Armadas se subordinaram ao poder político. “Logo depois do 25 de Novembro fez-se a lei 17/75, em que pela primeira vez os militares, por iniciativa própria, eu diria através de uma autodecisão, expressam a subordinação das Forças Armadas ao poder dizendo que a força militar deve ser o instrumento último de força para o uso do poder. Pretendeu-se também com esta afirmação clarificar as relações instituição militar/poder político. E pretendeu-se dizer ao poder que dispunha a partir daí da força suficiente para, detendo o monopólio da coação, poder estabelecer a paz social e impedir os atos de violência que se tinham verificado do antecedente”, sublinha Ramalho Eanes numa entrevista à TVI, no momento em que se assinalaram 20 anos sobre o 25 de Novembro de 1975.
A data marca a opção pelo caminho democrático em Portugal, mas não passa sem sangue. No decurso da operação vão contar-se três mortes militares (dois comandos do lado das forças de Ramalho Eanes e um da Polícia Militar do lado da revolta dos paraquedistas) e contabilizam-se também mortos e feridos civis.
Ramalho Eanes sai destacado da operação e está ainda a decorrer a intervenção militar quando é nomeado Chefe de Estado-Maior do Exército (CEME). Tem como missão pôr ordem num Exército dividido por se ter politizado e partidarizado durante o período revolucionário. Depois de ter completado a tarefa, o seu nome é lançado para as eleições presidenciais e, em consequência, será o primeiro Presidente da República eleito depois da Revolução de Abril.