Covid-19: Sociedade de Pediatria muda de posição sobre vacinar crianças e divide opiniões dos especialistas

24 nov 2021, 20:23
Escola

Se há seis meses havia reservas, um ensaio norte-americano com 1.500 crianças trouxe mais certezas à Sociedade Portuguesa de Pediatria que um comunicado garante agora que a vacina para as crianças é eficaz. Uma posição que está a gerar alguma divisão entre os profissionais. Hoje a Agência Europeia do Medicamento anuncia a sua decisão.

Enquanto se aguardava pela decisão da Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla em inglês), a Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP) mudou o seu parecer sobre a vacinação de crianças contra a covid-19, garantindo agora que "é segura e eficaz" no grupo etário dos 5 aos 11 anos.

Em comunicado, os pediatras explicam que não se opõem à vacinação de crianças e defendem que a decisão "vale a pena", se reduzir confinamentos nas escolas.

Diferente da opinião defendida pela presidente da mesma sociedade em abril, quando admitia que tal poderia vir a ser necessário, se contribuísse para evitar novas vagas da pandemia e novos confinamentos, mas reforçava a importância de se fazerem ensaios clínicos.

Em causa, alegava, estaria uma decisão que não seria tanto por causa da gravidade da covid-19 nas crianças, que apresentavam um risco de doença grave ou morte muito baixo nesta faixa etária.

Também em agosto, um novo parecer da SPP considerou "prudente obter toda a evidência (informação) científica possível antes da decisão final".

Entretanto, a pandemia recuou, já voltou a avançar, mas continua pendente uma decisão sobre a vacinação de crianças. No dia 20 de novembro, a DGS pediu um parecer aos pediatras para a Comissão Técnica de Vacinação Contra a Covid-19 elaborar o seu parecer sobre esta matéria.

O parecer chegou esta terça-feira, com a Sociedade Portuguesa de Pediatria a defender que a vacinação é segura e eficaz contra a covid-19, mas que a decisão deve ter em conta outros dados, como a prevalência da infeção nas crianças.

Como muitos adultos agora estão protegidos pela vacinação, é natural que a proporção de novos testes positivos encontrados em crianças seja maior do que antes, especialmente com a testagem intensiva das crianças a frequentar as escolas. Assim, e provada a segurança e eficácia da vacina, poderá ser considerada a sua aplicação neste grupo etário, se isso permitir trazer normalidade à vida das crianças", defende a SPP, em comunicado.

Mas o que é que mudou? Que dados são estes que vieram dar mais certeza ao parecer?

Segundo a Sociedade Portuguesa de Pediatria, a vacinação contra a covid-19 foi avaliada num ensaio clínico em crianças dos 5 aos 11 anos de idade, no qual foram vacinadas 1.517 crianças.

As vacinas contra a COVID-19 são seguras e eficazes, protegem contra doença grave e reduzem a transmissão da infecção, embora não a impeçam por completo. Os resultados mostraram que é segura e eficaz contra a COVID-19, tal como noutros grupos etários, pelo que foi já aprovado o seu uso pela FDA e se aguarda aprovação pela EMA", justifica.

A SPP lembra que, nas crianças, a covid-19 “é habitualmente uma doença assintomática ou ligeira e, felizmente, continuam a ser raros os casos graves que obrigam a internamento ou admissão em unidades de cuidados intensivos”, ocorrendo estes “maioritariamente em crianças com fatores de risco”.

Sublinha que as crianças "têm sido fortemente prejudicadas na pandemia devido aos confinamentos sucessivos, que afetam seriamente a sua aprendizagem e saúde mental e aumentam o risco de pobreza e de maus-tratos”.

A Sociedade adianta ainda que a vacinação dos 5 aos 11 anos está a ser avaliada pela comissão técnica da DGS, que tem acesso aos dados em tempo real sobre o número de casos por grupo etário, os surtos nas escolas e ambiente familiar e a seroprevalência neste grupo etário. 

Parecer dos pediatras divide opiniões dos especialistas 

O assunto tem dividido opiniões, nomeadamente a do especialista Carmo Gomes, que confirma à CNN Portugal "não discordar" do parecer, mas levanta várias questões, frisando que uma decisão desta natureza “tem de passar primeiro por uma avaliação de benefício-risco”.

“Esperamos que os benefícios superem largamente os riscos”, vincou o especialista, garantindo que a CTCV fará “o melhor possível” para ter a informação certa quanto aos riscos e benefícios associados à vacinação em crianças antes de emitir um parecer nesse sentido.

Eu tenho dúvidas que a EMA recomende essa vacinação. Quanto muito, considerará que é seguro, eficaz, ou não, mas recomendar não acredito que o faça”, admitiu o especialista, acrescentando que é provável que a EMA deixe esta decisão “ao critério dos vários países”.

Já o presidente do Colégio da Especialidade de Pediatria é mais crítico e considera que “ainda não há evidência (prova) que justifique” a vacinação contra a covid-19 de menores de 12 anos e que “não se modificou nada” que sustente essa opção. Jorge Amil Dias disse à Lusa que “neste momento não [há dados novos]” que fundamentem uma alteração da estratégia para aquele grupo e ressalva que, quando se fala em aumento de casos pediátricos de covid-19, “é exatamente disso que se trata: casos, e não doentes".

Os números que têm sido divulgados de crianças, nomeadamente dos zero aos nove anos (…), são crianças identificadas não em internamento hospitalar, não em cuidados intensivos, mas, seguramente na sua grande maioria, por testagem nas escolas, porque houve um menino, uma empregada ou um professor que foi positivo”, disse o presidente do órgão consultivo da Ordem dos Médicos.

O estudo entretanto realizado em crianças dos cinco aos 11 anos mostra apenas que, quando se inocula o antigénio, ao fim de algum tempo há produção de anticorpos.

O trabalho “só avaliou se as crianças desenvolveram anticorpos”, destacou o pediatra. “Não mostrou que esta população ficava mais protegida, não mostrou que tinha diminuído a contagiosidade ou que tinha alterado a epidemiologia”, distinguiu, notando ainda que, “em termos populacionais, é um estudo pequeno [cerca de 2.400 crianças]”.

Assim, “qualquer outra extrapolação deste estudo é um abuso científico, porque não foi esse o objetivo, nem os números têm dimensão para o demonstrar”, ressalvou.

O que dizem os reguladores?

Até agora, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tinha assinalado que “não adianta vacinar crianças quando há profissionais de saúde, idosos e pessoas de alto risco no mundo que ainda estão à espera da primeira dose”.

De visita a Lisboa, a 19 de outubro, o diretor regional para a Europa da OMS, Hans P. Klüge, admitia que a decisão de vacinar as crianças abaixo dos 12 anos demoraria “um pouco”, dado que “as evidências ainda não são robustas o suficiente”.

A Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla em inglês) anunciou a 18 de outubro que começaria a avaliar a administração da vacina Comirnaty, da farmacêutica Pfizer/BioNTech (atualmente autorizada em pessoas com 12 ou mais anos), em crianças entre os 5 e os 11 anos.

Outras duas vacinas para crianças abaixo dos 12 anos estão já a gerar dados: Spikevax (Moderna) e Vaxzevria (AstraZeneca).

O parecer da EMA deve ser conhecido nesta quinta-feira, dia 25 de novembro, e será depois transmitido à Comissão Europeia, que emitirá uma decisão final.

O que estão a fazer os outros países?

A generalidade dos países tem optado por não vacinar as crianças antes dos 12 anos, mas há exceções, desde logo a China, epicentro do vírus Sars-CoV-2, em dezembro de 2019.

Em junho deste ano, o regulador chinês autorizou a administração de duas das suas vacinas - Sinopharm e Sinovac - em crianças entre os 3 e 17 anos e, em agosto, aprovou outra marca.

O Camboja já está a usar as vacinas chinesas em crianças entre os 6 e os 11 anos.

Cuba também já começou a imunizar crianças pequenas, com as vacinas produzidas nacionalmente, e a Venezuela iniciou a vacinação de 3,5 milhões de crianças entre os 2 e 11 anos, com a cubana Soberana II.

O Chile tornou-se no primeiro país da América Latina, e o segundo no mundo (a seguir à China), a autorizar o uso da vacina chinesa CoronaVac em crianças e, na Argentina, a vacina da Sinopharm pode ser administrada em crianças a partir dos 3 anos.

O caso de maior notoriedade de vacinação infantil é o dos Estados Unidos, onde a taxa de imunização global é baixa e os casos de infeções em crianças aumentaram dramaticamente desde que a variante Delta se propagou no país.

Também o Canadá já aprovou a vacina infantil da Pfizer e, à semelhança dos Estados Unidos, reduziu as doses para um terço da quantidade administrada a adolescentes e adultos.

Na Europa – atualmente a única região geográfica com aumento de casos de infeção –, ainda são poucos os casos de administração em crianças menores de 12 anos.

Duas centenas de crianças com idades entre os 5 e os 11 anos começaram a ser vacinadas em Viena, capital da Áustria, como parte de um projeto-piloto, mas o alargamento à escala nacional está dependente da luz verde da EMA.

Em Itália, aguarda-se a mesma indicação para dar início à vacinação a partir dos 5 anos.

Já na Alemanha, que enfrenta a maior incidência semanal de infeções desde o início da pandemia, ainda não se recomendou a vacinação de menores de 12 anos e isso não deve acontecer antes de meados de dezembro.

 

 

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