Método de Hondt continua a prejudicar partidos mais pequenos. O sistema eleitoral português ainda faz sentido?

2 fev 2022, 14:47
Parlamento

Alguns especialistas defendem uma mudança no sistema eleitoral, mas as eventuais alterações esbarram na Constituição e apenas uma revisão constitucional pode alterar o modelo atual

O CDS foi o sétimo partido mais votado nas eleições legislativas de 30 de janeiro, ao conquistar 86.578 votos (1.61%). Apesar disso, e de ter ficado à frente de PAN e Livre em termos de votos conquistados, não conseguiu eleger nenhum deputado, algo que aconteceu pela primeira vez na história. Esta questão explica-se pelo sistema eleitoral português, que se baseia no método de Hondt. Será possível fazer de outra forma? Sim e não.

Mas vamos por partes. Como funciona, afinal, este método para a conversão dos votos em mandatos? Este modelo matemático consiste na divisão do número total de votos obtidos por cada candidatura por divisores fixos, nomeadamente 1, 2, 3, 4, 5, e assim sucessivamente até se esgotarem todos os mandatos do círculo eleitoral (no caso do círculo eleitoral de Lisboa, por exemplo, esta operação seria feita até serem eleitos os 48 deputados por aquele círculo).

O método de Hondt, utilizado também, por exemplo, nos Países Baixos, em Israel, e Espanha, é considerado um método muito simples de aplicar. Contudo, os especialistas em ciência política apontam também o facto de, tendencialmente, favorecer os partidos maiores.

Porém, é possível “melhorar” o método de Hondt, como explica à CNN Portugal o professor Jorge Buescu, até porque, notou, apesar de ser um método de representação proporcional, “é impossível haver uma proporcionalidade matemática rigorosa”. “Ao diminuir as proporções, vai haver sempre uma distorção”, explicou. O também membro da Sociedade Portuguesa de Matemática refere que, de acordo com o que é possível fazer atualmente, seria proveitoso que se criasse um novo círculo eleitoral, que elegeria deputados de forma nacional.

Na prática, diz Jorge Buescu, o sistema eleitoral manteria os 22 círculos eleitorais existentes (18 distritos, duas regiões autónomas e os círculos Europa e Fora da Europa), mas acrescentaria um círculo nacional, em que, de forma adicional, seriam eleitos deputados sem barreiras territoriais. Este seria um círculo de compensação, que, tal como o nome indica, visa “compensar a distorção do método de Hondt”.

Também o politólogo José Adelino Maltez considera que a criação de um círculo eleitoral nacional seria a melhor opção para uma reforma do sistema eleitoral, uma vez que, além de permitir “governabilidade quando há uma situação de muita proximidade” entre o primeiro e o segundo candidatos, também “resolve o problema dos deputados paraquedistas”, isto é, deputados sem nenhuma ou pouca ligação ao distrito pelo qual concorrem. E, consequentemente, “dava confiança sobretudo a territórios esquecidos”, uma vez que os problemas locais teriam de ser discutidos com um deputado que conhecesse efetivamente a região.

O também professor universitário e investigador de Ciência Política recorda que a necessidade e pertinência de uma reforma do sistema eleitoral português já é debatida e estudada há vários anos, inclusive por partidos políticos, como o PS, que em 1984 chegou a propor um sistema eleitoral “à maneira alemã”, isto, é, que combinasse o sistema proporcional com o sistema maioritário uninominal num duplo voto.

Por outro lado, uma total reforma do sistema eleitoral português implicaria uma manobra muito maior. É que a utilização do método de Hondt nas eleições para a Assembleia da República está consagrada na Constituição da República Portuguesa, pelo que apenas uma revisão constitucional pode alterar o modelo.

Mesmo assim, fomos ver como funcionaria esse novo círculo eleitoral, e percebemos que, efetivamente, o CDS passaria a eleger um dos 100 deputados. O PS conseguia mais 46 mandatos, e podia ficar sem maioria absoluta. Passava a ter 163 dos 330 hipotéticos deputados. Para a maioria absoluta, o PS precisaria de 166 deputados, o que obrigava o partido, neste cenário, a conseguir três dos quatro deputados eleitos pelos círculos eleitorais que faltam apurar (Europa e Fora da Europa).

Sistema eleitoral com método de Hondt e 100 mandatos
PS 46
PSD 31
Chega 7
IL 5
BE 4
CDU 4
CDS 1
PAN 1
Livre 1

Assim, e tal como assinalou José Adelino Maltez à CNN Portugal, “o resultado não seria muito diferente” com um sistema eleitoral nestes moldes, mas seria importante, neste caso, para o CDS, por exemplo, que poderia eleger um deputado.

Questionado sobre se este modelo eleitoral poderia estar associado a uma maior fragmentação parlamentar, o politólogo respondeu que “em Portugal, não há fragmentação parlamentar”, até porque “as pessoas percebem logo quando [a fragmentação] está a ameaçar o sistema, como aconteceu agora”.

Em outubro de 2021, surgiu uma proposta concreta de reforma do sistema eleitoral, por parte da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES), que, através de um grupo de trabalho encabeçado pelo jornalista Henrique Monteiro e pelo político e professor universitário Miguel Poiares Maduro, indica que esta reforma não só reforçava o poder de escolha dos eleitores, como também responsabilizava os eleitos.

Além disso, o estudo demonstra que a adoção de círculos uninominais promoveria "a aproximação entre o deputado local e o seu eleitor", motivando os cidadãos a participar no ato eleitoral e, consequentemente, contribuiria para reduzir a abstenção. "O deputado passa a ter de prestar contas àqueles que o elegeram, e torna-se directamente responsável perante o eleitor na eleição seguinte, sob pena de não ser reeleito", pode ler-se no relatório.

Estará na altura de mudar o sistema eleitoral?

Apesar das várias propostas para uma reforma do sistema eleitoral, nunca houve um consenso parlamentar nesse sentido, sobretudo entre os partidos pequenos, e o investigador José Adelino Maltez explica porquê: "Na altura, tinha sido muito constante a não baixa [dos votos] desses partidos pequenos e qualquer alteração poderia afetá-los."

Contudo, o politólogo acredita que "agora é boa altura" para uma reforma do sistema eleitoral assente na criação de um círculo nacional, que pode mesmo "beneficiar os partidos pequenos", e deu o exemplo do PCP, que, na década de 90, não era tão residual a nível nacional, obtendo mais votos no Alentejo e Ribatejo, mas que, entretanto, conquistou um alcance nacional.

"Hoje ganharia com um círculo nacional, porque os votos a norte do Tejo e até Trás-os-Montes beneficiam a representação do PCP", explicou.

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