Os bastidores da saída de Cabrita: demitido por Costa a 600 km de distância, por telefone

3 dez 2021, 22:22
Eduardo Cabrita demite-se (António Cotrim / Lusa)

De Leixões para Lagos, o PM e o ainda MAI acertaram os detalhes da saída antes do almoço. Costa já decidira a essa hora que Cabrita teria de demitir-se, depois do despacho que acusava o motorista de homicídio por negligência. Costa impôs a decisão

A demissão do ministro da Administração Interna foi acertada, por telefone, entre as 12:00 e as 13:00 desta sexta-feira, 3 de dezembro, quando Eduardo Cabrita seguia de carro entre Lagos e Lisboa e António Costa estava em Leixões, num evento. Tinha acabado de ser noticiado que o motorista do MAI fora acusado de homicídio por negligência por causa do acidente na A6 e os dois sabiam que o desenrolar do telefonema podia acabar em demissão. Durante a conversa, a iniciativa do pedido de demissão partiu do primeiro-ministro, apurou a CNN Portugal. No entanto, fontes do Governo confirmam que Eduardo Cabrita já tinha pedido para sair, caso o desfecho da acusação não fosse favorável. Costa decidiu demiti-lo de imediato. Foi uma demissão por telefone, quando estavam a mais de 600 quilómetros de distância um do outro. 

A dois meses das eleições legislativas, não haveria muito a fazer, perceberam, apesar de Eduardo Cabrita querer ficar como MAI durante mais tempo, até ao fim. Cabrita quis ser o ministro com o recorde de mais tempo em funções na pasta da Administração Interna desde o 25 de abril, passando os antecessores Rui Pereira e Dias Loureiro, ambos ministros durante quatro anos. O amigo António Costa não o deixou chegar ao fim do mandato. Os dois conhecem-se bem e são amigos de longa data, tendo andado juntos na Universidade de Direito de Lisboa, onde cimentaram a amizade.

Quando chegou a Lagos, logo pela manhã, para a inauguração do Posto Territorial de Lagos da GNR, o ainda ministro do MAI não fazia ideia de que o despacho seria divulgado. Foi surpreendido quando, no final do seu discurso, os elementos do seu staff lhe deram a conhecer o conteúdo do despacho de acusação do Ministério Público, na sequência do atropelamento mortal de um trabalhador na A6 com o carro onde ele seguia. Reagiu, de imediato, a quente, enquanto caminhava para o carro que o traria de regresso a Lisboa.  

O despacho indicava que a viatura oficial transitava a 163 quilómetros por hora na altura do acidente, a 18 de junho, bem acima do limite legal para uma autoestrada. Confrontado com o excesso de velocidade a que seguia, Eduardo Cabrita disse que apenas “era passageiro” –  de facto, era o motorista do MAI que conduzia a viatura oficial, ele estava no banco de trás. E acrescentou que o despacho de acusação agora conhecido “é o Estado de Direito a funcionar”. Na caminhada até ao carro, rodeado por jornalistas, ainda sugeriu que “as condições do atravessamento da via têm de ser esclarecidas no quadro do acidente”. E, já a entrar para o banco de trás, lançou uma última frase: “Ninguém está acima da lei”. Todos estes comentários não caíram bem a António Costa que, segundo fontes do Governo à CNN Portugal se sentiu "desconfortável". A reação, improvisada, caiu mal no gabinete do primeiro-ministro, por ser vista como (mais) um erro de comunicação.

Já teria tomado a decisão de se demitir.  Mas desta vez seria diferente de muitas outras em que António Costa o segurou. Entrou no carro e depois deste arrancar, ligou ao primeiro-ministro para fechar os pormenores.

Os elementos dos gabinetes de António Costa e de Eduardo Cabrita começaram a preparar a conferência de imprensa para anunciar a demissão. Cabrita informou que queria falar em Lisboa e, por isso, decidiu-se marcar a conferência para as 17:30, de forma a dar tempo para que chegasse a Lisboa, contaram fontes governamentais à CNN Portugal. Enquanto isso, às 17:00, Ana Paula Vitorino publicou no facebook uma nota que deixava antever o que iria acontecer. Elogiou o marido, dizendo que “dava o peito às balas para defender aquilo em que acredita, mesmo não tendo culpa nenhuma” e considerou-o o “último dos impolutos “. 

O primeiro-ministro, por seu lado, continuava em Leixões, onde estava a visitar o Terminal de Cruzeiros, com o ministro da Economia, Siza Vieira, num evento dedicado às Agendas Mobilizadoras para a Inovação Empresarial. Mas ia sendo avisado de tudo o que se estava a passar no caso que envolvia o seu ministro já demissionário.

Pelo meio, Costa ligou a Marcelo Rebelo de Sousa para lhe explicar como pretendia resolver a situação, ou seja, como iria substituir o seu ministro.  Tomou, entretanto, a decisão que não ia fazer subir nenhum secretário de Estado. E mais tarde soube-se que a pasta da Administração Interna foi entregue à ministra da Justiça, Francisca Van Dunem. Viajava para Lisboa a caminho de casa, quando acertou todos os detalhes sobre esta substituição.

Há muito que a oposição pedia a demissão de Cabrita que sobreviveu a várias polémicas, como o caso das golas inflamáveis depois do incêndio do Pedrógão Grande, os emigrantes de Odemira em condições de habitabilidade sub-humanas, a morte do ucraniano Ihor Homeniuk no aeroporto às mãos do SEF e a reestruturação deste serviço. António Costa nunca cedeu. Mesmo quando Eduardo Cabrita lhe manifestou que queria deixar o Governo. Aliás, a saída do ministro da Administração Interna chegou a estar decidida numa remodelação que estava fechada antes do Governo cair. Ficara enfiada na gaveta com o chumbo do Orçamento do Estado, a dissolução do Parlamento e a marcação de eleições para 30 de janeiro.

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